Roberto
Da Matta é um antropólogo brasileiro, que dedicou sua vida profissional ao
estudo do nosso país, de modo que já publico 17 livros sobre o assunto. Morou
por mais de 12 anos nos Estados Unidos, formou-se pela Universidade de Harvard
e foi chefe do Departamento de Antropologia da Universidade NotreDame, no
estado americano de Indiana. Há 6 anos, Da Matta voltou a morar e lecionar no
Brasil.
O
antropologista discute sobre o nosso país o analisando e fazendo comparações,
nas quais o principal ponto de referência é os EUA. O brasileiro não se define
como indivíduo, mas sim como pessoa, através da qual vigoram relações de troca
de interesses, de família, de amizade. Através disso se tem o “império” do
privativismo, ou seja, suprime-se o público em detrimento do privado que sempre
prevalece diante da “pessoa” brasileira. Não é a toa que o brasileiro dá o seu
“jeitinho” para obter os seus anseios, através de uma troca de interesses, ou
até mesmo de uma violação do público. Da Matta discorre sobre o “jeitinho
brasileiro” no livro “Fé em Deus e pé na tábua”, na qual ele faz um paralelo
entre o trânsito e a sociedade brasileira.
Neste
livro, Roberto observa a realidade brasileira sob duas leituras: uma “institucionalista”
(público) e outra “culturalista” (privado/casa). Em outros termos, seriam a
“sociologia do indivíduo” e a “sociologia da pessoa”, respectivamente. Para
ele, estas realidades se confundem, de modo que o unilateral é visto sob a
forma dual na qual se apresenta. E o autor discorre acerca destas dualidades.
Da
Matta discorre, principalmente, sobre a dualidade casa e rua. Há, de fato, uma
interferência recíproca de uma na outra. O campo da casa é invadido pelo
Estado, assim como o campo da rua é invadido por relações pessoais, na qual o
indivíduo age sob a forma de pessoa. Ao falar sobre isso, Roberto faz uso de
uma expressão comumente usada pelo brasileiro: “você sabe quem está falando?”.
As pessoas têm transformado a rua em casa, de modo que subvertem a hierarquia
tanto da rua como da própria casa. De fato, a sociedade brasileira se
constituiu sob um estilo hierarquizado, no qual se sobressai, seja na rua, seja
na casa.
A
igualdade brasileira é apenas teórica, visto que na prática há sempre a necessidade
de por o outro no “seu lugar”, o que é visível na expressão “você sabe quem
está falando”? Nas palavras de da Matta:
“no
caso das leis gerais e da repressão, seguimos sempre o código burocrático ou a
vertente pessoal e universalizante, igualitária, do sistema. Mas no caso das
situações concretas, daquelas que a ‘vida’ nos apresenta, seguimos sempre o
código burocrático das relações e da moralidade pessoal, tomando a vertente do
‘jeitinho’, da ‘malandragem’ e da solidariedade como eixo de ação. Na primeira
escolha, nossa unidade é o indivíduo; na segunda, a pessoa. A pessoa merece
solidariedade e um tratamento diferencial. O indivíduo, ao contrário, é o
sujeito da lei, foco abstrato para quem as regras e a repressão foram feitos”.
(DA MATTA, 1981, p.169).
De
fato, a pessoa se sobressai ao indivíduo. Por outro lado, ele estabelece os EUA
como comparativo. Lá a pergunta é “quem você pensa que é?”, visto que as
relações ocorrem sem esta dualidade brasileira. Dualidade esta explicada pelo
próprio processo de formação histórica do nosso país, marcado pelo patriarcalismo, coronelismo, clientelismo. Enfim, o país foi formado,
sob uma perspectiva hierarquizada, através da qual se impôs o “império” do
privativismo.
Há também na obra
“Carnavais malandros e heróis” uma reflexão sobre as relações entre as pessoas
no Brasil percebe a existência de uma cultura hierarquizada. Tal cultura que é
percebida nas relações cotidianas se contrapõe a visão muito difundida no país
que aqui “todos somos iguais”, que somos um povo simples, que nos tratamos
informalmente como sinal dessa igualdade. O que Da Matta conclui a partir de
suas observações, é que os brasileiros gostam de hierarquia, gostam de ter
privilégios nas relações com os demais.
Um exemplo disso é a hierarquia no trânsito, no qual cada pessoa se
fecha em seu mundo particular no interior de seu carro, e que os proprietários
dos carros se sentem superiores aos demais componentes do transito,
acrescentando também a ideia de que quanto mais novo, quanto maior o carro mais
prioridades ele deve possuir.
Da Matta também faz a
reflexão sobre o paradoxo nas relações brasileiras, visto que aqui coexistem
duas perspectivas quase que opostas. A primeira delas é o jeitinho brasileiro,
o modo particular de comportamento brasileiro no qual se tenta burlar as
pequenas regras do dia a dia, desde furar uma pequena fila à corromper
profissionais em seu favor. Esse jeitinho brasileiro seria um modo de
simplificar as relações de pedir pra o outro de colocar no lugar, de querer ser
a exceção à regra. A segunda perspectiva é que simplificada pela frase “Você
sabe com quem você esta falando”, como se o indivíduo estivesse falando pra o
outro “ponha-se no seu lugar, eu sou melhor que você”. Essa cultura de se achar
melhor que outros pelo fato de exercer um cargo ou até por ser parente de
alguém que exerça um cargo importante é usado pelos brasileiros para tentar
legitimar uma superioridade.
Desse modo, pode-se
observar a contradição na cultura brasileira que opõe um “jeitinho brasileiro”
mais cordial nas relações, mas simples em que uma pessoa se coloca no lugar da
outra e lhe presta algum favor. E a cultura do “você sabe com quem você esta
falando” uma perspectiva marcada pela hierarquia, pelo ar de superioridade,
pela arrogância de um individuo em relação a outra. Tal contradição, pode ter
fundamentos históricos visto que aqui coexistirão colonizadores, nativos,
escravos, imigrantes enfim uma mistura de culturas. Em suma, o Brasil é marcado
pela multiplicidade de raças, culturas e como se pode observar pela
multiplicidade das formas de nos relacionarmos uns com outros ora marcada pela
simplicidade e cordialidade, ora marcada pela arrogância e hierarquia.
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